O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (14/5), o Projeto de Lei 1.179/2020, que suspende temporariamente leis do Direito Privado enquanto durar a epidemia de Covid-19 no Brasil.
Devido às mudanças, o projeto agora volta para o Senado. O anteprojeto foi elaborado por um grupo de juízes, ministros de tribunais e advogados especialistas em direito privado, sob a liderança do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal.
Segundo Otavio Rodrigues, advogado e professor de Direito Civil da USP, “a aprovação do PL 1179 foi uma vitória para a sociedade e um exemplo de cooperação bem-sucedida entre magistrados, parlamentares, universidade e advocacia”. Para Rodrigues, que coordenou com o ministro Antonio Carlos Ferreira (STJ) o grupo de juristas responsável pelo anteprojeto, “o texto reflete ainda a contribuição dos juristas Arruda Alvim, Paula Forgioni, Fernando Campos Scaff, Rodrigo Xavier Leonardo, Rafael Peteffi da Silva, Francisco Satiro, Marcelo von Adamek, Roberta Rangel e Gabriel Nogueira Dias, além de várias contribuições recebidas de institutos e associações”.
Outro fator que se mostrou decisivo para rápida tramitação, segundo Rodrigues, está na qualidade dos parlamentares envolvidos no projeto, como Antonio Anastasia, Simone Tebet e Enrico Misasi, com sólida formação jurídica.
A proposta foi aprovada na forma do substitutivo do deputado Enrico Misasi (PV-SP), que retirou alguns dispositivos do texto, como o que previa a redução de 15% das comissões cobradas por aplicativos de transporte de seus motoristas, transferindo a quantia para eles. A medida afetaria empresas como Uber e 99.
Quanto aos imóveis alugados, por exemplo, o projeto suspende, até 30 de outubro deste ano, a concessão de liminares para despejo de inquilinos por atraso de aluguel, fim do prazo de desocupação pactuado, demissão do locatário em contrato vinculado ao emprego ou permanência de sublocatário no imóvel.
A suspensão abrange os imóveis urbanos (comerciais e residenciais) e atinge todas as ações ajuizadas a partir de 20 de março, data em que foi publicado o decreto legislativo que reconheceu o estado de calamidade no País.
Também até 30 de outubro ficam suspensos os prazos de aquisição de propriedade mobiliária ou imobiliária por meio de usucapião.
Assembleias de empresas
Misasi retirou ainda do texto regras de restrição para a realização de reuniões e assembleias presenciais por parte de sociedades empresariais, associações e fundações até 30 de outubro.
O texto entretanto, permite que ocorra a deliberação virtual, inclusive para os casos de destituição de administradores ou mudança do estatuto.
Revisão de contratos
Em relação à revisão de contratos amparados pelo Código Civil, o projeto especifica que o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário não poderão ser considerados fatos imprevisíveis que justifiquem pedidos de revisão contratual ou quebra do contrato. O texto segue jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça.
A exceção é para as revisões contratuais previstas no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e na Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91). De qualquer forma, as consequências jurídicas decorrentes da pandemia não poderão ser retroativas, inclusive para aquelas classificadas no Código Civil como de caso fortuito ou força maior.
Pensão alimentícia
Até 30 de outubro, a prisão por atraso de pensão alimentícia deverá ser domiciliar. Hoje, as dívidas alimentícias levam à prisão temporária em regime fechado até sua quitação ou relaxamento da prisão pelo juiz.
Condomínios
O síndico terá poderes para restringir o uso de áreas comuns e limitar ou proibir a realização de reuniões, festas e o uso do estacionamento por terceiros. Não se aplicam as restrições para atendimento médico, obras de natureza estrutural e de benfeitorias necessárias.
Até 30 de outubro, a assembleia condominial poderá ocorrer por meio virtual, inclusive para a votação das contas, possível destituição do síndico e mesmo sua eleição.
Caso a nova eleição não seja possível, o mandato vencido de síndico a partir de 20 de março será prorrogado até 30 de outubro.
Direito de arrependimento
Até 30 de outubro, está suspensa, nas entregas em domicílio (delivery), a aplicação do direito de arrependimento – prazo de sete dias para desistência da compra, previsto no Código de Defesa do Consumidor. A regra vale para compras de produtos perecíveis ou de consumo imediato, e medicamentos.
Inventários
Será adiado, para 30 de outubro, o início da contagem do prazo de dois meses para a abertura de inventários relativos a falecimentos ocorridos a partir de 1º de fevereiro. O texto também prevê a suspensão, até 30 de outubro, do prazo de 12 meses para conclusão de inventários e partilhas iniciados antes de 1º de fevereiro.
Prescrição
Os prazos prescricionais estarão impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da vigência da lei até 30 de outubro.
Concorrência
Não será considerado ato de concentração a celebração, por duas ou mais empresas, de contrato associativo, consórcio ou joint venture, ressalvada análise após 30 de outubro pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O projeto considera que não haverá infração da ordem econômica se a empresa vender bens e serviços injustificadamente abaixo do custo ou cessar parcial ou totalmente as atividades sem justa causa (ocorre quando uma empresa viável encerra a produção a fim de prejudicar fornecedores ou o mercado).
A regra valerá para os atos praticados com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro ou até o fim do estado de calamidade pública.
Código de Trânsito
Quanto ao Código de Trânsito (Lei 9.503/97), o projeto remete competência ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) na edição de normas para flexibilizar os limites de peso dos caminhões nas vias terrestres e sua pesagem para aumentar a eficiência na logística de transporte de bens e insumos e na prestação de serviços relacionados ao combate ao coronavírus.
Essa flexibilização poderá ser aplicada ainda quanto à lotação de passageiros.
Proteção de dados
Outra mudança feita pelo relator retirou o adiamento da vigência da maior parte da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18), que regulamenta o tratamento de dados pessoais de clientes e usuários por empresas públicas e privadas.
De acordo com o substitutivo, apenas a aplicação das penalidades pelo descumprimento da lei ficará suspensa, podendo ocorrer somente a partir de 1º de agosto de 2021.
O texto do Senado adiava a vigência dos demais artigos de agosto de 2020 para 1º de janeiro de 2021, mas o relator rejeitou esse adiamento.
De qualquer forma, a Medida Provisória 959/20 adia a vigência de todos os artigos da lei para 3 de maio de 2021. Como a MP tem força de lei enquanto vigora, permanece esta data. Se o projeto virar lei, a aplicação das penalidades terá nova data de vigência.
O Plenário da Câmara dos Deputados
O tema foi alvo de uma série de debates em seminários virtuais promovidos pela TV ConJur na série “Saída de Emergência”. Neles, especialistas analisaram, por exemplo, reflexos da pandemia nos contratos empresariais, teoria da imprevisão e a responsabilidade civil durante a crise, dentre outros.
A proposta emergencial foi discutida intensamente nas últimas semanas — em um esforço conjunto entre o Judiciário e o Legislativo. O texto aprovado tem a forma do substitutivo do deputado Enrico Misasi (PV-SP), com duas supressões em relação ao projeto que já havia sido aprovado no Senado.
O projeto original é de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD/MG) e foi aprovado no Senado, por unanimidade, com alterações pontuais pela relatora do projeto, senadora Simone Tebet (MDB), após longos debates com líderes de partidos. Com informações da Agência Câmara.
Fonte: ConJur